Saturday, April 16, 2005

Declaração de Amor

Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho
mas havia um grande berreiro, um enorme burburinho
e, pensando bem, o berçário não era o melhor lugar.
Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém-chegado você sem saber ouvir, eu sem saber
falar.

Tentei de novo, lembro bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola interceptado pela
professora como um gavião.
Fui parar na sala da diretora e depois na rua
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua.

A vida é curta, longa é a paixão.

Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada. E você não disse nada.
Só mais tarde, de ressaca, atinei.
Cheio de amor e Cuba, me enganei e disse tudo para uma
almofada.

Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal-me-quer, bem-me-quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata corrido aos gritos de
"Mata! Mata!" por conservacionistas, ecólogos e afins.

Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
"Se não me segurarem faço um soneto"
E não é que fiz, e até com boas rimas?
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo.

Mas fui premiado num concurso em Minas.
Comecei a escrever com pincel e piche num muro branco,
o asseio que se lixe, todo o meu amor para a tua ciência.
Fui preso, aos socos, e fichado.
Dias e mais dias interrogado: era PC dissidência?

Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
( você devia ver o estado do papel )
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional.

Com uma serenata sim, uma serenata como nos tempos da
Cabocla Ingrata me declararia, respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada...
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.

Decidi, então, bota a maior banca no céu e escrever com
fumaça branca: "Te amo, assinado..." e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê tudo para
impressionar você mas veio a crise, faltou o combustível.

Ontem você me emprestou o seu ouvido e na discoteca, em
meio do alarido, despejei meu coração.
Falei da devoção há anos entalada e você disse
"Não escuto banda". Disse "eu não escuto nada".

Curta é a vida, longa é a paixão.

Na velhice, num asilo, lado a lado em meio a um silêncio
abençoado direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então empinando a orelha com a mão
você me responda só: "Hein?".

Luis Fernando Veríssimo

Thursday, April 14, 2005

Para Joana

Filha,

na areia movediça das palavras, eu tenho procurado, juro,
as que nasçam só nossas,
certas, insubstituíveis, insubmissas.
Com ternura lhes toco e as levo ao coração,
frias ou gastas quase sempre, de outros usos.
Como se fossem algas,
escorrem por entre os dedos que as seguram.
Outras, agarro-as bem, tinjo-as de sangue. São
as que me comovem.
Com elas choro e sigo a sua frustração de claunes que tornaram
[ainda mais triste cada infância.

Mas, persigo-as, sim, quero-as ainda, as palavras
trabalho-as
com a aplicação do alquimista.
E do athanor saem só pequenos peixes de ouro
que nada têm a ver com o mar que separa o velho galeão
que de gusanos
me construo
e o teu corpo de mulher que é preciso aceitar urgentemente.
Ou aceitar de outro modo:
como súbito se abrisse a porta da casa e lá fora estivesse caindo
[uma chuva quente que a todos nos molhasse de uma estranha doçura.

Ah, minha filha, com que rigor procuro
o sinal de sermos o que somos
neste rio sem margens
ou talvez nesta praia em cuja espuma quente
é possível molhar ritualmente os pés e as mãos e partir a correr
nus
em direcções opostas
sem nada sugerir
a morte nem a vida
apesar de ambas estarem sempre para chegar.

Ah, o que tenho procurado, juro.
E que inútil junto às frondosas árvores dos símbolos
mais doces mais íntimos mais ternos cruéis acusadores.
Também a esses os levo à altura do peito e os encontro escassos de forma.
Na bigorna não aguentam a violência apaixonada do ferreiro.

E, de novo, procuro entre nomes de flores cidades ou estrelas
e nem sequer nos empedrados rostos das catedrais que eu vi
encontrei nada que pudesse trazer para aqui
outras coisas que pudesse ir amontoando com o tempo
para ir compondo o poema, minha filha, que há dezasseis anos ando para te escrever
mas que não fui capaz
porque escusado é dizer que é dentro de mim que habita uma enorme rosa de fogo
que não se vê do lado das palavras ou das pedras.


Bruxelas, 1981

A Viagem Possível (1981)

Emanuel Félix

Wednesday, April 13, 2005

I Grieve

It was only one hour ago
It was all so different then
There’s nothing yet has really sunk in
Looks like it always did
This flesh and bone
It’s just the way that you would tied in
Now there’s no-one home

I grieve for you
You leave me
‘so hard to move on
Still loving what’s gone
They say life carries on
Carries on and on and on and on

The news that truly shocks is the empty empty page
While the final rattle rocks it’s empty empty cage
And I can’t handle this

I grieve for you
You leave me
Let it out and move on
Missing what’s gone
They say life carries on
They say life carries on and on and on

Life carries on
In the people I meet
In everyone that’s out on the street
In all the dogs and cats
In the flies and rats
In the rot and the rust
In the ashes and the dust
Life carries on and on and on and on
Life carries on and on and on

It’s just the car that we ride in
A home we reside in
The face that we hide in
The way we are tied in
And life carries on and on and on and on
Life carries on and on and on

Did I dream this belief?
Or did I believe this dream?
Now I can find relief
I grieve

Peter Gabriel

Tuesday, April 12, 2005

Para DSousa

A gente veio dos montes gritando em voz de
firmeza a dor dos passados mortos,
A força da cor da aurora.
Pintando painéis de basalto,
Soluços, vulcões e misérias,
A gente veio dos montes gritando em cor
de ter corpo
a voz de ter som por dentro.
A gente veio dos montes desarmada de mistérios,
de cabelos caídos
E braços estendidos, de mãos abertas e ossos duros.
A gente veio dos montes
Abraços, lágrimas de gente.
A gente estendeu lençóis e fez países de chuva,
a gente cantou baladas
E fez rios de pautas e notas de chumbo, diante dos olhos evidentes
Da natureza da gente.
A gente veio dos montes, despida de preconceitos,
lavar carros nas estradas com
Baldes de água da chuva,
a gente veio de lá com bandeiras de saudade e
capas de sol e luz.
A gente veio dos montes, da terra acima disto,
desta questão de escrever de noite aos bocadinhos,
a gente veio dos montes podia ter vindo da terra,
mas veio dos montes,
porque as palavras em que te tenho
começadas pela letra m, lembram-me de ti
e lembram-me a gente da minha terra, da tua terra,
A gente que o vento ecoa,
A gente que morre no eco.
A gente que manda na lei e sai de casa ao
Domingo com dores de sangue e sal,
a gente que compra ao sábado o matutino original
e o lê mês a mês na esperança orçamental
de que sucumba o preço,
de que compre pela manhã o m da sua vida.
A gente que veio dos montes come papas de milho e
bebe água das pedras da cascata que lá corre;
a gente que veio dos montes não tem pneus para asfalto nem conduz por desporto...
---tem gente de hífen longo gente------
de geometria indecisa, gente que cava o m da matéria e se esculpe com ar e argila.
Gente de ABC, gente que não chora e lê,
Gente que se consola e desola com a fraqueza de um bicho,
gente que entretém o gosto num espelho de sala para sair para a rua a pedir,
em cada sorriso, uma esmola.
A gente que veio dos montes com pastilhas de balão
não lê livros franceses nem nas horas vagas,
não sonha com personagens de literatura nem atormenta os políticos fracos.
É gente dos montes.
Gente dos meus montes de palavras que
aglomero em frases doidas e hífens que aprendi
a respeitar na métrica das minhas preferidas, favoritas, minhas...
gentes de m de montes, gentes de m de meu, gente de mensagem revirada,
de aposta em vão trocada por arquitecta mesada do sonho de te Escrever m.
Tem gente que não me olha. Tem gente que não me lê.
Tem gente. Há gente.
Para a gente.

( Novembro 2004)
( Muito obrigada! Um abraço. Até!...)

Monday, April 11, 2005

Meu Amor

Nada a fazer, meu amor, somos da Terra do Nunca e é para lá que vamos, meu amor,
Quando estas saudades esculpirem uma canção, dentro do peito, nada a fazer a mais ou a menos, meu amor, somos do lado de lá.

As penas, as graças, as dores, os medos, meu amor são de lá, do lado da aurora, do centro da vida, do centro do mundo, do nosso, meu amor, meu amor, minha chama, meu sangue, minha haste, meu lume, minha paz, meu espaço.

Nada a fazer.
Meu amor.
Meu movimento de esferas.

Minha lança em terra alheia. Meu capítulo de página quebrada, minha saudade ancorada no seio desta esperança.
Meu amor que me partes. Meu amor que envelheces

No retrato vazio. No álbum a meio mundo, na asa que escolheste, meu amor, meu traço, meu rumo, minha fraqueza de espanto, minha luz, minha magia
Minha estrela, meu amor.

Nada a fazer. Minha estrela. Nada a fazer entre os medos e os dedos de conversas sempre iguais convertidas em poemas controversos que te deixo no colo, como um sopro de ar de mar de saudades

E afectos.

Nos teus olhos, um poema, meu amor, é lido alto. Alto.

Maria Amaro

Epitaph on a Tyrant

Perfection, of a kind, was what he was after,
And the poetry he invented was easy to understand;
He knew human folly like the back of his hand,
And was greatly interested in armies and fleets;
When he laughed, respectable senators burst with laughter,
And when he cried the little children died in the streets.

W.H.Auden

Sunday, April 10, 2005

Nobody does it better

Nobody does it better
Makes me feel sad for the rest
Nobody does it half as good as you
Baby, you're the best
I wasn't looking
But somehow you found me
I tried to hide from your love light
But like heaven above me
The spy who loved me
Is keeping all my secrets safe tonight

And nobody does it better
Though sometimes i wish someone would
Nobody does it quite the way you do
Why'd you have to be so good
The way that you hold me
Whenever you hold me
There's some kind of magic inside
That keeps me from running
But just keep it coming how'd you learn to do the things you do
And nobody does it better
Makes me feel sad for the rest

Nobody does it quite like as you
Baby, baby, baby you're the best
Baby you're the best

Radiohead

Metade

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço,
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente
Complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção.

E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também.

Oswald Montenegro