Saturday, June 18, 2005

Soneto a Duas Mãos

A mão que me sustenta e eu sustento

é mão capaz das vinte e cinco linhas

e do selado azul de um requerimento

ou doutras diligências comesinhas...





Habituada por secretarias,

esperta, decidiu de um grave acento,

a vírgulas guindou torpes cedilhas

e mastigou papel, seu alimento...





Contraiu calos, revoltou-se às vezes,

contra certos despachos, tão soezes

que até o dedo auricular se ria...





Com dois dedos de aumento se curvava

e logo, altiva, à esquerda se mostrava... Agora?

Estão as duas na poesia...





Abandono Vigiado (1960)

Alexandre O´Neill

25 de Abril

Às Forças Armadas e ao povo de Portugal
"Não hei-de morrer sem saber qual a cor da liberdade"







Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Quase, quase cinqüenta anos

reinaram neste país,

e conta de tantos danos,

de tantos crimes e enganos,

chegava até à raíz.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Tantos morreram sem ver

o dia do despertar!

Tantos sem poder saber

com que letras escrever,

com que palavras gritar!



Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Essa paz de cemitério

toda prisão ou censura.

e o poder feito galdério,

sem limite e sem cautério,

todo embófia e sinecura.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Esses ricos sem vergonha,

esses pobres sem futuro,

essa emigração medonha,

e a tristeza uma peçonha

envenenando o ar puro.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Essas guerra de além-mar

gastando as armas e a gente,

esse morrer e matar

sem sinal de se acabar

por política demente.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Esse perder-se no mundo

o nome de Portugal,

essa amargura sem fundo,

só miséria sem segundo,

só desespero fatal.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Quase, quase cinquenta anos

durou esta eternidade,

numa sombra de gusanos

e em negócios de ciganos,

entre mentira e maldade.





Qual a cor da liberdade?

É verde, verde e vermelha.





Saem tanques para a rua,

sai o povo logo atrás:

estala enfim, altiva e nua,

com força que não recua,

a verdade mais veraz.





Qual a cor da liberdade?
É verde, verde e vermelha.


Jorge de Sena