Wednesday, November 09, 2005

Tuesday, November 08, 2005

Ao Volante

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
me parece, ou me forço um pouco para que pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão parar mas seguir?

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegado a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre , sempre, sempre
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...

Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,
Galga sobre mim comigo o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo!
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto me emprestavam, ai de mim, eu próprio sou!

À esquerda o caserbe - sim, o casebre - à beira da estrada.
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado,
Que só posso conduzir se nele estiver fechado
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.

À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.

Álvaro de Campos