Saturday, December 27, 2008

Segue o teu destino

"Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam."

Ricardo Reis

Friday, November 07, 2008

Autografia




Mário Cesariny

Saturday, November 01, 2008

ONDE?

Baden-Baden, Spitzberg, Salzburgo?
Acapulco, Vera Cruz, Pequim?
Thebas, Sebastopol, Hamburgo?
Nova Deli? Não? Ou Nova Iorca? Sim?
Saint-Etienne, Boston, Johanesburgo -
apartheid à parte em tempo inteiro?
Kansas City, Termópilas, Nanterre?
Rejkiavik, Puchóv, Iowa, Erre
de Janeiro?
Cartago, Liverpool, Fez ou Almodôvar?
Londonderry, Santarém, Amsterdam?
Nova Deli? Sim? Ou Nova Iorca? Nam?
A terra de Bolívar (ou para rimar Bolôvar)?
Postojna, Cairo, Loano, Figueiró
dos Vinhos? Reno, Colares, Chianti, Dão?
(Muito obrigado, mas só à refeição.)
Tanganika, Massachussets, Pampilho-
sa? Paris, Bornéu, Kalamazoo?
Nova Deli? Não? Sim? Ou na O. N. U.?
Brza Palanka? Bu Ngem? (Faça favor
de repetir.) Bu Ngem? Brza Palanka?
Bridgehead, Brest, Salamalanca?
Alhos Vedros, San Marino, Andorra?
Liechtenstein, Sarre, o Corredor
de Danzig, mesmo que não corra?

Onde, onde, onde? Dizei-me, por amor
de Deus - antes que eu repita a rima
de forma mais justa (e malcriada, inda por cima).


de Obra Ântuma, publicações Europa-América, 1986)

José Sesinando

Wednesday, October 22, 2008

müz´ka

Essa Gente
roubado daqui

Saturday, August 02, 2008

Poema

"Não consentem os deuses mais que a vida.
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis píncaros,
Perenes sem ter flores.
Só de aceitar tenhamos a ciência,
E, enquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha conosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, às luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E reflectindo um pouco."

Fernando Pessoa

Sunday, July 20, 2008

Acerca do Sentido

"Aproxima-te. É assim que consegues encontrar
algumas palavras. Estão juntas. Têm um sentido
capaz de vir acompanhar-te como se pelos dedos
escorresse um pouco de água, a sua transparência
súbita. Recebe o que elas te podem dar agora,
a respiração que fica tranquila e o mesmo aceno
só para que depois consigas compreender
como é fácil que tudo se perca nos teus olhos."


Fernando Guimarães




Este autor e muitos outros a ler/descobrir na revista de poesia - Relâmpago.

Wednesday, July 02, 2008

Rosas Vermelhas

Rosas Vermelhas - Mário Viegas

Manuel Alegre, dito por Mário Viegas.
O Texto aqui.

Saturday, June 28, 2008

Un coup de mode

"Cronicou Mallarmé pela moda, entre dois lances:
«Ces éttofes: qu'en faire? Avant tout des chefs-d'reuvre».
Sensível à color, muito mais à nuance,
não esqueceu Estefânio o fulgor e a verve

com que, funâmbulo, entregava ao poema
o espaço-silêncio que ao poema cabia.
Calar o excesso, circunspecto, é que eu queria!
Dar a ave-seu trajar e voar-por uma pena...

«Ce bleu si pâle à reflets d'opale,
qui enguirlande quelquefois les nuages argentés»
é lance que hoje não se faz, que já não vale.
A tristeza é que não há por lustro um Mallarmé...

Muito menos num país em que a nomenclatura
despe em trapos os nomes que a moda perpetua..."

Alexandre O´Neill

Monday, June 09, 2008

Muriel

"Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papéis há as voltas dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto puder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão de escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido."

Ruy Belo

Thursday, June 05, 2008

Os automóveis dormem

«Os automóveis dormem. Na discoteca
estão mortos os pares que se titilam.
Ao pegar no telefone o senhor rui
despega. E não ouve. E não fala.
As flores são periscópios cegos:
também elas se dizem, não se entendem.
Ainda que subam, descem elevadores,
mas não passam do chão, como
se qualquer coisa cai: percussão
de tambor, ou tantã gutural.
O céu é azul, ou cinza, ou de outras
cores, desde sempre até sempre,
mas mais nada. E até o vento, senhores,
até o vento sopra como quem se engole
a si mesmo, seringa ou telescópio,
porém emparedado. E o mar
esfalfa as ondas entre praia e praia
sem resultados que não sejam espuma.
Entre a lua e o sol fez-se um acordo
Mas não se fez acorde. Fenecem:
Não há anjos.»

Pedro Tamen

Sunday, June 01, 2008

Thursday, May 22, 2008

Se me comovesse o amor




Se me comovesse o amor como me comove
a morte dos que amei, eu viveria feliz. Observo
as figueiras, a sombra dos muros, o jasmineiro
em que ficou gravada a tua mão, e deixo o dia

caminhar por entre veredas, caminhos perto do rio.
Se me comovessem os teus passos entre os outros,
os que se perdem nas ruas, os que abandonam
a casa e seguem o seu destino, eu saberia reconhecer

o sinal que ninguém encontra, o medo que ninguém
comove. Vejo-te regressar do deserto, atravessar
os templos, iluminar as varandas, chegar tarde.

Por isso não me procures, não me encontres,
não me deixes, não me conheças. Dá-me apenas
o pão, a palavra, as coisas possíveis. De longe.

Francisco José Viegas
Mais informações aqui

Monday, May 19, 2008

No te Salves



Mario Benedetti

Friday, May 16, 2008

Navio de Espelhos



Mário Cesariny

Saturday, May 10, 2008

METADE



"(...) que o teu silêncio me fale cada vez mais,
porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.(...)"

Oswaldo Montenegro

Saturday, May 03, 2008

Não há outro Caminho



"Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho."

Friday, April 25, 2008

Abril de sim, Abril de Não

"Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.
Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.
Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.
Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer."


Manuel Alegre

Saturday, April 05, 2008

Your Song



Kate Walsh

Povoamento

"No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera"

Friday, March 21, 2008

Voz numa Pedra

«Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal.»

La Poesia es...



Paco Ibañez

Thursday, March 20, 2008

poema

"Se ergueres nos desertos
alpendres
um jardim de regressos,

todas as gerações do vento
dançarão
na única memória."


Eduardo Bettencourt Pinto, Menina da Água, (poema 32), Ponta Delgada, Editorial ETER, 1997, pag. 48.

Saturday, March 08, 2008

O Teu nome

"Flor de acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo,
De todas as cores do dia!"

Wednesday, March 05, 2008

Data e Dedicatória

"Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora estrema
Quando o anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez ainda nem tenha nascido,
Dedica, pois, os teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso..."

Mário Quintana

Monday, March 03, 2008

Para que tú me oigas (Poema 5)

"Para que tú me oigas
mis palabras
se adelgazan a veces
como las huellas de las gaviotas en las playas.

Collar, cascabel ebrio
para tus manos suaves como las uvas.

Y las miro lejanas mis palabras.
Más que mías son tuyas.
Van trepando en mi viejo dolor como las yedras.

Ellas trepan así por las paredes húmedas.
Eres tú la culpable de este juego sangriento.

Ellas están huyendo de mi guarida oscura.
Todo lo llenas tú, todo lo llenas.

Antes que tú poblaron la soledad que ocupas,
y están acostumbradas más que tú a mi tristeza.

Ahora quiero que digan lo que quiero decirte
para que tú las oigas como quiero que me oigas.

El viento de la angustia aún las suele arrastrar.
Huracanes de sueños aún a veces las tumban.

Escuchas otras voces en mi voz dolorida.
Llanto de viejas bocas, sangre de viejas súplicas.
Ámame, compañera. No me abandones. Sígueme.
Sígueme, compañera, en esa ola de angustia.

Pero se van tiñendo con tu amor mis palabras.
Todo lo ocupas tú, todo lo ocupas.

Voy haciendo de todas un collar infinito
para tus blancas manos, suaves como las uvas."


Pablo Neruda

Sunday, March 02, 2008

Poema que aconteceu

"Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse."

Wednesday, February 27, 2008

Syrinx, Ficção Pastoral (XVII)

"Perdoa, não sabia que cantavas
Em sossego, silenciosamente. Neste calor
é preciso beber água gelada; também convém
não adorar ídolos, por exemplo a imagem
que aí trazes de ti e te atormenta
(ou me atormenta a mim?).
Outros exemplos incluem jardins de babilónia,
Erupções do etna, o efeito
afrodisíaco do diamante,
as ciências da educação.
Vou-me sentar aqui, respirar até doer
as coisas possíveis nunca reais,
aprender, nó a nó, como te soltas;
Vamos cair num poço, sem
bússola e pára-quedas, vamos ser o primeiro
amor a dois no mundo."


António Franco Alexandre

Sunday, February 24, 2008

às vezes, se te lembras

Ruy Belo – Muriel....

Amigos Perdidos

"Os amigos levados pela vida
são os mais difíceis de aplacar, os mais
tiranos. Bárbaros de um país desconhecido,
bebem à taça os venenos do silêncio e crescem
desmedidamente na distância, desentendidos
da nossa solidão. E pensar que já fomos
irmãos de armas, que desenterrámos tesouros
nas mesmas ilhas, nos livros
mais inóspitos. Como são as coisas.
Terá sido tudo em vão? Dir-se-ia
que estávamos predestinados às mesmas
canções, a uma espécie mais certa de amor.
Pois sim. Nem sequer compreendemos
o que nos aconteceu."


Rui Pires Cabral

Quero um erro de gramática que refaça

"Quero um erro de gramática que refaça
na metade luminosa o poema do mundo,
e que Deus mantenha oculto na metade nocturna
o erro do erro:
alta voltagem do ouro,
bafo no rosto."


Herberto Helder

Friday, February 15, 2008

Fix you

"When you try your best, but you don't succeed
When you get what you want but not what you need
When you feel so tired but you can't sleep
Stuck in reverse?

And the tears come streaming down your face
When you lose something you can't replace
When you love someone but it goes to waste
Could it be worst?

Lights will guide you home,
And ignite your bones,
And I will try to fix you,

High up above or down below
When you're too in love to let it go
But if you never try you'll never know
Just what you're worth



Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you

Tears stream down your face
When you lose something you cannot replace
Tears stream down on your face
And I

Tears stream down your face
I promise you I will learn from my mistakes
Tears stream down on your face
And I

Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you"


Coldplay

Thursday, February 14, 2008

Love Song

"How shall I hold on to my soul, so that
it does not touch yours? How shall I lift
it gently up over you on to other things?
I would so very much like to tuck it away
among long lost objects in the dark
in some quiet unknown place, somewhere
which remains motionless when your depths resound.
And yet everything which touches us, you and me,
takes us together like a single bow,
drawing out from two strings but one voice.
On which instrument are we strung?
And which violinist holds us in the hand?
O sweetest of songs."

Rainer Maria Rilke
trad. Cliff Crego

Monday, February 11, 2008

Eu sei, mas não devia

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma."

Sunday, February 10, 2008

O Queixobiqueira

«Nem em Las Hurdes se encontram os anões que diminuem por aqui a olhos vistos.
Aqui, se tiramos um átimo os olhos do anão,
ao pô-los novamente nele
já temos que ir mais abaixo: o anão está queixobiqueira

Embora queixobiqueira o anão daqui tenta agigantar-se
relativamente ao anão que está mais ao pé.
Para tanto, o queixobiqueira trepa à árvore genealógica
e põe-se lá de cima a atirar crânios de antepassados
sobre quem passa, se demora ou diminui.
E isto é só um exemplo.
O queixobiqueira usa de varíadissimos recursos nas suas tentativas de agigantamento.

Um deles:
Levanta o mento da biqueira, cospe nela, baixa o mento
e enquanto parece dizer que não com a cabeça,
puxa com a barba dura o brilho à biqueira.
Considera-se, então, que esse queixobiqueira,
relativamente ao
ao queixobiqueira que, na circunstância,
não cuspiu para brilhar na biqueira
se agigantou.
Etc.Etc.

Se você, o de talhe normal, é suficientemente hábil
para por um queixobiqueira ao seu serviço,
nunca mais terá de abaixar-se
para apanhar as miúdas coisas
que uma pessoa deixa cair.
Mas não esqueça a regra: passear com alguma frequência o queixobiqueira
empoleirado no seu ombro.
Os olhos dele brilharão mais que a biqueira.»

Thursday, February 07, 2008

Pelo sonho é que vamos

«Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.»


Sebastião da Gama
(Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, 10 de Abril de 1924 - Lisboa, 7 de Fevereiro de 1952)

Wednesday, February 06, 2008

Sobre um Poema

imagem

"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne."

Herberto Helder

Canção para a minha filha Isabel adormecer quando tiver medo do escuro

"Nem sombra nem luz
nem sopro de estrela
nem corpinhos nus
de anjos à janela

nem asas de pombos
nem algas no fundo
nem olhos redondos
espantados do mundo

nem vozes na ilha
nem chuva lá fora
dorme minha filha
que eu não vou embora."


in Letrinhas de Cantigas, Publicações Dom Quixote, 2002.

Sunday, February 03, 2008

Quando se pensa nesse amor

«Quando se pensa neste amor que é feito
De tão variados modos sempre iguais
(ou de modos semelhantes tão diversos),
e se viveram já mais de trinta anos
de sonhá-lo, e fazê-lo, e desejá-lo
ainda e sempre como adolescente
sempre temendo quanto não conhece
( e ao mesmo tempo nada é já surpresa
no prazer que não cansa como nós)-
quando pensamos quantas vezes, quanta
gente por nós passou que possuímos
( se era de quem sempre desejou
um outro corpo além do que abraçava,
mesmo se o corpo fora o desejado mais)-
quando se pensa na ternura, o anseio
nos rodeando a vida que nos foge
e sendo como o que ainda mais a afasta
na dor de ser-se amado não se amando
senão o amor e não quem nos amara
por nós e em nós e não do que fazemos-
desde o nascer á morte, desde o instante
em que o prazer do sexo se descobre
até quando será memória extinta
nada sentido tem, nem o desejo
que sem sentido continua a ser
o só que vale a pena de ter tido
no desespero irónico de ser-se.»

Wednesday, January 30, 2008

Discurso ao príncipe de Epaminondas

"Despe-te de verdades
das grandes primeiro que das pequenas
das tuas antes que de quaisquer outras
abre uma cova e enterra-as
a teu lado
primeiro as que te impuseram eras ainda imbele
e não possuías mácula senão a de um nome estranho
depois as que crescendo penosamente vestiste
a verdade do pão a verdade das lágrimas
pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela
depois as que ganhaste com o teu sémen
onde a manhã ergue um espelho vazio
e uma criança chora entre nuvens e abismos
depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato
quando lhes forneceres a grande recordação
que todos esperam tanto porque a esperam de ti
Nada depois, só tu e o teu silêncio
e veias de coral rasgando-nos os pulsos
Então, meu senhor, poderemos passar
pela planície nua
o teu corpo com nuvens pelos ombros
as minhas mãos cheias de barbas brancas
Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada
mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças
e uma estrada de pedra até ao fim das luzes
e um silêncio de morte à nossa passagem"

Tuesday, January 29, 2008

Arte Poética

"Palavras,
só palavras, nada mais
que a vã matéria, o seu sentido
eco de muitos ecos, repetido
reflexo de poderes tão irreais

como essas emoções graças às quais
terei de vez em quando pretendido
dizer um só segredo a um só ouvido
ciente de que nunca são iguais

os segredos e ouvidos que procuro
às cegas neste mar sempre obscuro
onde a voz desagua como um rio

sem nascente nem foz - apenas uma
incerta confidencia que se esfuma
e só foi minha enquanto me fugiu."

Saturday, January 26, 2008

Um breve bilhete apenas



"eu já não gosto de ti
sonhador de tantas
e muitas revoluções
cansaços
são fadigas
de utopias
de devaneios
e de faustos adiados
passados
para depois
e depois

eu já não sonho contigo
o meu sonho é já outro
se não cuidas do brilho
das cores
da glória das ribaltas
das luzes de outras jóias
cintilantes retomas
dos afectos
pelas somas
celestiais cotações
em paixões
do meu coração tão perto

eu já não te quero mais
o que mais quero é a arte
do fundo volátil de acções
a excepção desta regra
dessa tua ilusão
e a luz feliz
debutante
daquele baile dançante
e o romântico toque
o beija-mão
o retoque
do meu coração tão perto

tão perto da longa distância
que me afasta de ti
por que te deixo
este breve bilhete
tão breve e tão pouco
o pechisbeque que me deste
na tua caixinha de trocos
debaixo do tapete
à saída
as minhas chaves são tuas
também te deixo
vê lá tu
vê lá bem
sinceramente
um beijo meu
e para sempre
meu querido cantor
adeus."


A ópera mágica do cantor maldito de Fausto Bordalo Dia

Tuesday, January 15, 2008

Meditatio

"When I carefully consider the curious habits of dogs
I am compelled to conclude
That man is the superior animal.

When I consider the curious habits of man
I confess, my friend, I am puzzled."

Canção Grata

"Por tudo o que me deste:
- Inquietação, cuidado,
( Um pouco de ternura ? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
Obrigado, obrigado!

Por aquela tão doce e tão breve ilusão,
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!

Que bem me faz , agora, o mal que me fizeste!
- Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: - Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!"

Saturday, January 05, 2008

III

«Ausentes são os deuses mas presidem.
Nós habitamos nessa
Transparência ambígua.

Seu pensamento emerge quando tudo
De súbito se torna
Solenemente exacto.

O seu olhar ensina o nosso olhar:
Nossa atenção ao mundo
É o culto que pedem.»


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dual, Obra Poética, Lisboa, Caminho, 2004, p. 29.

Wednesday, January 02, 2008

Ode ao Mar

"Água, sal e vontade – a vida!
Azul – a cor do céu e da inocência.
Um lenço a colorir a despedida
Da galera da ausência...

Mar tenebroso!
Mar fechado e rugoso
Sobre um casto jardim adormecido!
Mar de medusas que ninguém semeia,
Criadas com mistério e com areia,
Perfeitas de beleza e de sentido!

Vem a sede da terra e não se acalma!
Vem a força do mundo e não te doma!
Impenitente e funda, a tua alma
Guarda-se no cristal duma redoma.

Guarda-se purificada em leve espuma,
Renda da sua túnica de linho.
Guarda-se aberta em sol, sagrada em bruma,
Sem amor, sem ternura e sem caminho.

O navio do sonho foi ao fundo,
E o capitão, despido, jaz ao leme,
Branco nos ossos descarnados;
Uma alga no peito, a flor do mundo,
Uma fibra de amor que vive e treme
De ouvir segredos vãos, petrificados.

Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,
Uma desilusão a rasga e molha;
Morta a magia que pintava a tela,
O mesmo olhar de há pouco já não olha.

Na órbita vazia um cego ouriço
Pica o silêncio leve que perpassa...
Pica o novo feitiço
Que nasce do final de uma desgraça.

Mas nem corais, nem polvos, nem quimeras
Sobem à tona das marés...
O navio encalhado e as suas eras
Lá permanecem a milhentos pés.
Soterrados em verde, negro e vago,

Nenhum sol os aquece.
Habitantes do lago
Do esquecimento, só a sombra os tece...
Ela és tu, anónimo oceano,
Coração ciumento e namorado!

Ela que és tu, arfar viril e plano,
Largo como um abraço descuidado!
Tu, mar salgado, aberto e descoberto
Com bússolas e gritos de gajeiro!
Tu, mar salgado, lírico, coberto
De lágrimas, iodo e nevoeiro!"


in "Odes", 1946.